Brasília na visão de Clarice Lispector



POSTADO POR HERANÇA CANDANGA ON TERÇA-FEIRA, 10 DE NOVEMBRO DE 2009 


Clarice Lispector - escritora da terceira geração modernista - nasceu na Ucrânia e mais tarde mudou-se com a família para o Brasil. Sua produção literária surpreendeu pela busca de uma compreensão da consciência individual, marcada sempre pela grande introspecção das personagens. Ha quem diga que as personagens retratadas e toda a sua angústia diante de situações cotidianas eram, na verdade, a própria exteriorização da autora.

Brasília na visão de Clarice Lispector

“Brasília é construída na linha do horizonte. – Brasília é artificial. Tão artificial como devia ter sido o mundo quando foi criado. Quando o mundo foi criado, foi preciso criar um homem especialmente para aquele mundo. Nós somos todos deformados pela adaptação à liberdade de Deus. Não sabemos como seríamos se tivéssemos sido criados em primeiro lugar, e depois o mundo deformado às nossas necessidades. Brasília ainda não tem o homem de Brasília. – Se eu dissesse que Brasília é bonita, veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas de digo que Brasília é a imagem de minha insônia, vêem nisso uma acusação; mas a minha insônia não é bonita nem feia – minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto.(...)

– Eu sei o que os dois(Lucio Costa e Oscar Niemeyer) quiseram: a lentidão e o silêncio, que também é a idéia que faço da eternidade. Os dois criaram o retrato de uma cidade eterna. – Há alguma coisa aqui que me dá medo. Quando eu descobrir o que me assusta, saberei também o que amo aqui. O medo sempre me guiou para o que eu quero; e, porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo quem me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que amo é arriscado. – Em Brasília estão as crateras da Lua.
– A beleza de Brasília são as suas estátuas invisíveis.”

Em 1970, a escritora Clarice Lispector impressionou-se com a supremacia da cidade sobre seus habitantes... Como acontece a onze em cada dez visitantes na primeira viagem, Clarice estranhou a troca de ruas e praças por superquadras, tesourinhas, eixinhos e eixos. Ficou insone com o silêncio ensurdecedor, descobriu que a infinitude da paisagem torna a solidão mais aflitiva e, sobretudo, desconcertou-se por não encontrar alguém que reproduzisse a cara do lugar.

Brasília foi comparada à insônia, cidade que não dorme, não por seu ritmo frenético, mas por ser de uma beleza inquietante, capaz de tirar o sono e as palavras de qualquer um. Tanto é que, décadas depois, Renato Russo imortalizou, na letra de Faroeste Caboclo, a única frase que conseguiam repetir os que aqui chegavam:
- Meu Deus mas que cidade linda!

A autora declara que Lucio Costa e Oscar Niemeyer, criaram na estruturação da cidade sua singularidade e consequentimente, sua eternidade: que teve princípio, mas não terá fim.

Clarice não gostou da cidade avião, mas admitiu que por ser Brasília, uma cidade de solidão encerrada no Planalto Central, possibilitava ao personagem que aqui se aventurasse estar distante de tudo e ao mesmo tempo tão próximo de si mesmo, por isso, seria este o lugar ideal para o seu ser, sempre ávido a experimentar epifanias nos mais simples e inesperados acontecimentos.

“Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei a escrever.”
Clarice Lispector

FONTES:
Livro:
ABAURRE, Maria Luíza.
Português: língua e literatura: volume único/ Maria Luíza Abaurre, Marcela Nogueira Pontara, Tatiana Fadel. - 2. ed. - São Paulo: Moderna, 2003.-(Coleção Base)

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